terça-feira, 19 de abril de 2011

A democracia não é uma só

Dr. Gilmar da Cruz e Sousa
ARTIGO
A democracia é um valor que precisa ser preservado a qualquer custo, pois é fruto de uma história regada a sangue e sacrifícios pessoais e coletivos. Mas como todas as idéias e práticas, também a democracia está sujeita a ser manipulada quando não se baseia na verdade.

Ou seja: Democracia (com “D” maiúsculo) não é só a expressão da vontade da maioria, mas a expressão de uma maioria bem informada e embasada na Verdade. Assim, fatos repassados ao público de forma parcial e distorcidos, mesmo aprovados pela maioria, resultam numa democracia torta, caótica.

A democracia não pode ser um valor inatacável, incensurável, imune, fenômeno denominado de “democracia dogmática”, sob pena de, em razão de sua imutabilidade, se transformar em instituição imprestável com o decorrer do tempo. Deve, sim, estar constantemente se sujeitando às avaliações e aperfeiçoamentos, até porque é instituição sujeita a graves equívocos. A democracia admite e precisa de praticantes sempre conscientes, críticos, aperfeiçoados (democracia crítica), sob pena de os equívocos serem maiores que seus acertos. Não nos esqueçamos que Hitler ascendeu ao poder graças ao voto popular na Alemanha da época; não nos esqueçamos que Cristo, em seu julgamento, foi condenado porque seu juiz (Pilatos) ouviu das ruas o clamor de “crucificai-o, crucificai-o”. Estão aí dois exemplos clássicos e claros de equívocos ratificados pela “democracia cética”, onde se acredita unicamente na voz do povo e depois, se tudo der errado, bastará lavar as mãos e dizer: “só se fez o que o povo queria”. No exemplo da turba irada gritando para Pilatos “crucificai-o, crucificai-o” e indicando Jesus, já se tem pelo menos um indício de que nem sempre é correta a expressão “vox populi, vox Dei” (“A voz do povo é a voz de Deus”). A democracia cética (aquela que acredita piamente que o povo nunca erra) deve ser vista com reservas e sempre com os olhos postos no poder da razão, até porque as multidões, sociologicamente falando, podem se tornar instáveis, emotivas, extremistas quando manipuladas para o mal e, daí, proceder sem observância das normas institucionais, se tornando totalitárias e autodestrutivas.

Hans Kelsen (1881-1973), austro-americano e tido como um dos juristas mais importantes e influentes do século XX, idealizador da obra Teoria Pura do Direito e relevante representante da Escola Positivista de Direito, vê Pilatos no episódio do julgamento de Jesus como um exemplo de democrata que, para tomar suas decisões, vai “buscar a verdade na maioria popular”. Já para o jus filósofo italiano Gustavo Zagrebelsky, nesse episódio o verdadeiro democrata é Jesus, pois é ele quem, mesmo anunciando “uma verdade eterna e universal, não a impõe, mas deseja que os homens, no uso livre da sua razão, a alcancem pelo diálogo, pela tolerância e pela reflexão constantes”.

O governante populista se apresenta, assim, como um adepto da democracia dogmática (ou democracia cética), conquistando o povo com promessas de muitos direitos e poucas obrigações e colocando sobre os ombros do povo o peso da sua irresponsabilidade.

O governante sério se nos afigura como mais comprometido com a verdadeira democracia e, por isso, se nos parece adepto da democracia crítica, pois busca colocar ao povo a necessidade de se refletir acerca das diversas possibilidades políticas à disposição; faz e recomenda que se faça livre uso da razão; adere às ações resultantes do diálogo e da tolerância constantes – bons caminhos para a verdade; tem coragem para contrariar a vontade popular se isso lhe parecer o melhor e... Não tem apego ao poder.

            Qual democracia queremos?

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Gilmar da Cruz e Sousa, é advogado militante em Juína – e-mail gcruz@juina-fox.com.br, e escreve especialmente para o JNMT

Um comentário:

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